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maio

Prática ancestral incentiva o coletivismo em quilombo no Amapá

Agricultores resgatam a prática do “pixurum” e promovem mutirões agroecológicos na busca por segurança alimentar e renda

A Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Curiaú é uma das principais Unidades de Conservação (UC) do Amapá. O território abrange 21 mil hectares (ha) e está a 14 quilômetros (km) do centro de Macapá, capital do estado.

Ao todo, são seis comunidades dentro da APA do Rio Curiaú: Curralinho, Curiaú, Casa Grande, Pescada, Pirativa e Mocambo. O Quilombo Curiaú é a única comunidade certificada pela Fundação Cultural Palmares como território quilombola, sendo o primeiro quilombo titulado do Amapá, em 1999. As demais são reconhecidas pela fundação como remanescentes de quilombos, porém, não são certificadas.

A APA do Curiaú desempenha um papel fundamental para a capital na produção de alimentos da agricultura familiar, contribuindo, também, para o resgate de hábitos culturais tradicionais e para o controle da temperatura na área urbana. Além disso, o Quilombo do Curiaú possui grandes atrativos turísticos com belezas naturais preservadas pela própria comunidade.

“Eu não tenho nem palavras para a minha comunidade. Pra mim, é um paraíso. Nasci, me criei, criei meus filhos. E tenho um trabalho voltado para a minha comunidade. Tudo que a gente já conseguiu aqui eu participei. Mas muitas comunidades aqui são esquecidas. O Curiaú é um exemplo, está dentro da cidade e não tem acesso a nada”. As palavras são da liderança Joaquim da Paixão, de 80 anos de idade, que vive no Quilombo do Curiaú, na Vila do Curiaú de Fora.

Os pais de Joaquim nasceram no Curiaú, e foi através deles que Joaquim teve o primeiro contato com a agricultura, base da alimentação familiar no quilombo até aos dias de hoje. Ele lembra que os roçados da família sempre foram feitos de forma rudimentar: “derrubava as árvores, ateava fogo e depois abria o solo”, conta.

“Nasci com meu dedo na mandioca, vendo meu pai e minha mãe indo para a roça. Eu também ia junto! Foi assim que aprendi a produzir. Tenho um quintal que eu planto, mas hoje é só para a manutenção da família. Já estou com 80 anos e não aguento mais”, comenta o agricultor.

No quintal de Joaquim é possível encontrar frutíferas como manga, açaí, cupuaçu e alguns pés de mandioca. Tudo cultivado apenas para o consumo da família, de forma espontânea, com conhecimentos passados de uma geração para outra. O roçado de seus pais já não existe mais, depois de algum tempo a terra começou a produzir menos.

O processo de derrubar árvores, atear fogo e depois plantar, realizado na agricultura tradicional na época dos pais de Joaquim, acabava empobrecendo o solo. A mandioca era a espécie que mais se ajustava a essas condições. Por um certo tempo, o principal cultivo dentro do Quilombo do Curiaú era a mandioca para a produção de farinha. Hoje, aplicando práticas agroecológicas e sustentáveis nos cultivos, a comunidade alcança uma maior diversidade de espécies em suas propriedades.

“Meus avós e minha mãe trabalhavam com agricultura, sempre com o roçado de mandioca. Agora, já temos outra diversidade, temos banana, taperebá, maracujá, abiu, goiaba araçá, graviola, produtos da horta, cebolinha, coentro, alface, feijão de corda, maxixe, quiabo, e, também, temos o restaurante e o bar, que são uma forma de trazer o cliente para a natureza, para ele ver algo diferente bem próximo da cidade”, conta Marinaldo Pereira, 52 anos, morador do quilombo do Curiaú.

O restaurante de Marinaldo funciona sazonalmente, durante o inverno amazônico, de dezembro a junho, quando a água inunda os campos e o rio Curiaú adentra os igarapés. Durante o verão, de junho a novembro, o rio diminui seu volume e a concentração de clientes é menor.

É durante o verão que Marinaldo aproveita para dedicar-se à agricultura, sua principal fonte de renda. A produção cultivada na sua propriedade de aproximadamente 250m² é comercializada na própria comunidade, para amigos, familiares e clientes por WhatsApp. O objetivo de Marinaldo é aumentar a produção, mas esbarra no desafio de não ter como escoar os produtos devido à falta de políticas públicas.

“A gente não tem um acompanhamento técnico, uma visita. Não temos um transporte para gente levar até a feira, um carro para levar seu produto. Não temos um local para você vender adequadamente. No começo eles fazem uma feira bonitinha, aí, depois, a feira cai, não tem um banheiro ou um suporte para os produtores e para os clientes”, relata Marinaldo.

O escoamento da produção é, também, uma dificuldade para Maria Ivonete, 56 anos, moradora da vila da Extrema do Curiaú, região que fica no limite com a área urbana. A agricultora conta que, atualmente, são cinco pessoas entre filhos, netos e nora que ajudam no cultivo.

“Eu planto banana, macaxeira, mandioca, milho, melancia, jerimum, maxixe, batata doce, e várias frutas. A principal dificuldade é no transporte, porque, às vezes, a gente tem coisas para vender e não tem condições de levar até a feira. Aí tem que levar de bicicleta ou a pé. No meu caso eu vou à pé”, coloca Maria Ivonete.

Estar próximo a capital seria vantajoso para o escoamento da produção do quilombo, mas muitos moradores enfrentam a dificuldade de não possuir o transporte para comercializar seus produtos nas feiras, ficando dependentes da venda nas portas das casas.

Atualmente, a comunidade da APA vê a necessidade de investir na agricultura para trazer mais qualidade de vida através da alimentação e gerar renda. Por meio da agroecologia, descobriram que podem renovar suas práticas e produzir de forma comunitária alimentos saudáveis, sem insumos externos, trazendo mais segurança alimentar para todos.

Do ‘pixurum’ à organização coletiva

Plantar para comer e vender o excesso. Assim pensa Ana Maria, 56 anos, moradora do Curiaú, que vende sua produção no próprio quilombo e divide seu tempo entre a agricultura familiar e o trabalho de merendeira na escola na comunidade. “Quando os filhos crescem, eles casam, e cada um procura seu rumo. Eu fico sozinha. Além de eu trabalhar na agricultura, eu tenho outro emprego. Eu não posso faltar lá e, também, tem que cuidar daqui”, comenta Ana.

Sem incentivo à agricultura familiar e quilombola no estado, a solução para o desenvolvimento da agricultura está partindo da organização comunitária. Os moradores se uniram para fazer mutirões de trabalho, aliando as técnicas de cultivo da agroecologia com a sabedoria ancestral da agricultura com o coletivismo.

A oportunidade surgiu após a participação de um grupo de agricultores das comunidades que fazem parte da APA do Rio Curiaú no Curso Gaia Amazônia, realizado pelo Instituto Mapinguari. Após o curso, o grupo se reuniu e decidiu realizar mutirões agroecológicos.

A organização se deu pelos próprios moradores, atendendo às demandas locais. Claudete da Costa, 52 anos, professora e moradora do Curiaú fala do pixurum, uma prática de trabalho coletivo que era realizada dentro da sua comunidade e entre seus familiares.

“A gente sempre trabalhou em família na minha casa. Depois, os meninos foram se casando, cada um foi constituindo sua família. Quando precisávamos de ajuda, realizamos o chamado ‘pixurum’, onde toda a comunidade participa, agrega e trabalha. Um cultivo pensado em família”, diz Claudete.

O pixurum é uma prática comunitária de ajudar no trabalho manual com a participação dos vizinhos, família e amigos na execução de uma atividade que seria dificultoso para uma pessoa realizar. Sem envolver ganhos financeiros, a prática incentiva a autogestão da comunidade e coletivismo.

Foi partindo da ideia de coletividade proporcionada pelo pixurum que os mutirões agroecológicos vem sendo desenvolvidos nas comunidades com o apoio do Instituto Mapinguari. Introduzindo conhecimentos agroflorestais de manejo de solo, adubação orgânica e o plantio em sucessão.

Ao todo já foram implantadas 12 agroflorestas, priorizando quem trabalha por conta própria. A expectativa é garantir a segurança alimentar dentro do quilombo, como conta o diretor técnico do instituto, Yuri Silva.

“A gente percebeu que alguns agricultores estavam com bastante dificuldade de produzir no Curiaú. O que estava sendo colhido e produzido, muitas vezes, era em áreas antigas com manejo inadequado. Desde este diagnóstico, passamos a apoiar a implantação de 12 áreas através do regime de mutirão. Todas essas áreas foram implantadas visando a produção de alimentos. A ideia é criar um agroecossistema mais resiliente às mudanças climáticas, mais diverso, recuperando o solo e a floresta”, comenta Yuri.

Claudio do Rosário, 54 anos, morador do Curiaú, também participou do curso e está otimista com a implementação do conhecimento adquirido na comunidade em que mora. O agricultor conta que um cliente já lhe fez uma oferta para a compra de sua produção.

“Essa técnica, com certeza, vai fazer todo o diferencial com o conhecimento que a gente construiu. Imagina essa frente aqui, cheia de plantas, de árvores de porte alto. O bem que não vai fazer para a gente aqui. Se a gente se unir, a gente avança muito”, conclui o agricultor.

Atualmente, os agricultores do Quilombo do Curiaú estão na fase de colheita dos primeiros cultivos, beneficiando mais de 10 famílias diretamente e entre 100 a 150 famílias indiretamente com os produtos agroecológicos dentro do quilombo.

O Instituto Mapinguari ainda tem o objetivo de ampliar o acesso a esse conhecimento, chegando em outros municípios do estado e comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas. A campanha Agroecologia no Prato, vem desenvolvendo formações junto às associações de agricultores, promovendo a comunicação sobre a temática, almejando uma maior participação social na discussão sobre a Política Estadual de Agroecologia, Produção Orgânica e Sociobiodiversidade (PEAPOS) no Amapá.

Este conteúdo foi produzido como parte do projeto Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos produzidos por mídias amazônicas.

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